Los seres humanos creamos culturas. Observamos, pensamos, imaginamos, obramos, comunicamos nuestras experiencias... Somos variados. Construimos nuestra "realidad". Fabricamos opiniones y maneras distintas de narrar nuestras vivencias. Este espacio expone estudios y trabajos del campo de la antropología del bienestar y la salud así como de la antropología de la naturaleza, sus componentes y sus leyes mostrando diversas concepciones y acciones que en esos terrenos se pueden dar y llevar a cabo en las culturas y sociedades del mundo.

Foto: "Águila peleando con serpiente". Tatuaje clásico del artista: Alvar Mena (La barbería tatuajes. Salamanca)

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SEGUNDA ETAPA

jueves, 8 de noviembre de 2012

PERSONAS Y EXPERIENCIAS VI /People and Experiences PLANTAS MEDICINAIS E MULHERES EM BUSCA DE SUSTENTABILIDADE NO SUL DO BRASIL E NORTE DA ESPANHA: UMA COMPREENSÃO DA ETNOBOTÂNICA NA PERSPECTIVA TRANSDISCIPLINAR (por: Fátima Chechetto)


Noviembre, 2012

(Historias de vida, encuentros, entrevistas, opiniones)

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Éste es un espacio de entrevistas, relatos/referencias de experiencia, historias de vida y comunicaciones en torno a la vivencia/las vivencias del bienestar, entendido como un contexto experiencial amplio capaz de tomar formas muy diversas en/a través de la comunicación. Una de esas formas nos la trae nuestra nueva invitada a través de su propio relato que más abajo reproducimos.

UNAS PALABRAS PREVIAS (Por: A. J. Aparicio Mena).


Conocí a Fátima cuando ella realizaba trabajo de campo para su tesis doctoral. El tema me atrajo y me pareció muy interesante: estudio de la relación de mujeres con las llamadas plantas medicinales, hecho a su vez por otra mujer. El marco geográfico: la Montaña Palentina, lugar donde tradiciones ancestrales y saberes "antiguos" todavía circulan entre las gentes, conviviendo con las aportaciones del "progreso". Me atrajo el trabajo de Fátima porque es una zona donde viví en mi infancia y a la que también acudí en busca de información cuando realicé el trabajo para la Suficiencia Investigadora. Más tarde, coincidí con aquellas mujeres sabias en un congreso que Fátima organizó en el Campus de Palencia (Universidad de Valladolid) en torno a las plantas medicinales. Además de gran trabajadora, Fátima aporta la visión femenina e interdisciplinar de una experta en el campo natural, cosa importante para contrastar con las mayoritarias visiones masculinas. Desde su Brasil natal nos envía esta colaboración, amplia y detallada que nos aporta los matices sutiles y elegantes de su manera de abordar el estudio antes mencionado. Primero tenemos una reseña curricular de la autora y seguidamente exponemos en su lengua natal el artículo completo agradeciendo a Fátima su amabilidad.

Possui graduação em Agronomia pela Universidade Federal de Santa Catarina (1986) e mestrado em Saúde Coletiva pela Universidade do Sul de Santa Catarina (Maio/2003). Atualmente é doutoranda pela Universidade Estadual Paulista no Programa de Horticultura da Faculdade de Ciências Agronômicas- Campus Botucatu, tendo particicipado do Programa de Estágio de Doutorando no Exterior- PDEE- na Universidade de Valladolid- Espanha. Coordenadora da Câmara Setorial de Plantas Medicinais- Conselho de Desenvolvimento Rural - Secretaria de Estado da Agricultura e Desenvolvimento Rural- Santa Catarina (2000-2004 e 2006-2008). Coordenadora da Associação Catarinense de Plantas Medicinais ( 1999-2001 e 2001-2004. Vice-coordenadora da Associação Catarinense de Plantas Medicinais ( 2004-2006 e 2006-2010). Foi docente nas disciplina de Botânica Aplicada à Farmácia e Fitoterápicos e Produtos Naturais no Curso de Farmácia do Centro Universitário Barriga Verde (2007-2008). Atuou como professora e pesquisadora da Universidade do Sul de Santa Catarina (1989-2006), nos Cursos de Engenharia Química, Agronomia e Farmácia.Atuou junto ao Ministério da Saúde como participante do Grupo de Fitoterapia para a Construção da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS (2003-2004), aprovada pela Portaria 971 maio/2006. Tem experiência na área de Agronomia com ênfase em Desenvolvimento Rural Sustentável.  

e-mail da autora: fatimachechetto26@yahoo.com.br


PLANTAS MEDICINAIS E MULHERES EM BUSCA DE SUSTENTABILIDADE NO SUL DO BRASIL E NORTE DA ESPANHA: UMA COMPREENSÃO DA ETNOBOTÂNICA  NA PERSPECTIVA TRANSDISCIPLINAR.

“Plantas medicinais e Mulheres em Busca de Sustentabilidade” em Salinas de Pisuerga  e Estalaya -  Montanha Palentina

Este artigo  foi baseado na pesquisa de doutorado em Agronomia- Horticultura da estudante Fatima Chechetto na Universidade Estadual Paulista sob a orientação do Professor  Doutor Lin Chau Ming  com estágio na Universidade de Valladolid- Escola Universitária de Educação de Palencia- Cátedra de Estudos de Gênero e Instituto Universitário de Investigação em Gestão Florestal Sustentável sob a orientação da Professora Doutora Fátima Cruz Souza. Apoio Financeiro: Fundação CAPES – Ministério da Educação do Brasil.
Desde o início da humanidade, as mulheres têm sido relacionadas a arte dos cuidados com a cura, a partir da natureza, agindo como curandeiras, parteiras, herbalistas. O cuidado era exercido com a utilização dos poderes das plantas medicinais especialmente por mulheres, no ambiente familiar, difundindo conhecimentos entre elas mesmas (BORGES, 2010).
O papel das mulheres com as plantas medicinais tem sido, para além da assistência médica a familiares, também na comunidade. Desde então, a figura da curandeira, curadora e da bruxa se mesclam. O uso de plantas medicinais em forma de emplastros, unguentos, infusões, e outras mil receitas eram parte da sabedoria destas mulheres, que as colhiam e se dedicavam a descobrir seus poderes. Poderes misteriosos que nos chegam até hoje, desde os antigos livros de ciência médica, que partem da Grécia, levando Paracelso a afirmar que tudo o que aprendera, fora das bruxas, pois sua ciência era experimentação, transmitida de uma a outra.  Seus preparados são base para a farmacologia moderna
Tamanha intimidade das mulheres com as plantas analisa Priori ( 1997 ) permitia que exprimissem o seu conhecimento da vida, experimentassem os mistérios da geração vegetal e os relacionamentos com os ciclos lunares. Segundo a autora a perseguição a estas mulheres não era fortuita  pois desde os tempos imemoriais, elas curavam mazelas, e antes do aparecimento de doutores e anatomistas praticavam enfermagem, davam conselhos sobre enfermidades, eram farmacêuticas, cultivavam ervas medicinais, trocavam fórmulas e faziam partos. Foram portanto durante séculos, doutoras sem título.
Borges (2010) complementa, analisando que as mulheres tornaram-se peritas em medicina e, inevitavelmente, uma ameaça, visto que eram capazes de interferir na influência religiosa e política da igreja. Inicia-se, então, o período de caça às bruxas, entre o fim do século XIV e o princípio do século XVIII, visando o extermínio das feiticeiras, por considerarem suas práticas demoníacas.
A medicina convencional começa a desenvolver-se a partir do século XVIII sendo que, as mulheres não tinham acesso as universidades e a igreja controlava grande parte das atividades médicas prevalecendo os conceitos religiosos. Se estudavam Aristóteles, Platão e Galeno e excluindo-se as mulheres da formação profissional legal, foram também excluídas da prática. 
Apesar de tudo, houve mulheres que praticavam métodos científicos não tradicionais, as quais também foram processadas. Pesava mais o fato de ser mulher, do que sua credibilidade profissional. Os médicos levaram a cabo uma campanha para expulsar as mulheres curandeiras e a igreja ditou que uma mulher que tivesse a ousadia de curar sem haver estudado, era uma bruxa e devia morrer. 
As parteiras seguiram atuando no meio rural, mas pouco a pouco, foram substituídas por médicos.
Diante deste breve olhar histórico, sobre o poder e a “retirada do poder” das mulheres, na arte de cura e construção de conhecimentos através da plantas medicinais,  insere-se a importância do “resgate” deste poder em busca de sustentabilidade, nos tempos atuais e como a etnobotânica  pode contribuir nesta tarefa, na ótica transdisciplinar.
Considera-se primeiramente o caráter transdisciplinar da etnobotânica,  por esta incluir o diálogo entre o conhecimento científicos e o conhecimento popular.  Ambos, transdisciplinaridade e etnobotânica, são enfoques que contribuem à tarefa de “pensar” a sustentabilidade como um todo, e que podem afirmar o protagonismo das mulheres como elemento central na construção de um novo desenvolvimento.
Migliori ( 2008) estabelece a relação entre transdisciplinaridade e sustentabilidade quando comenta que sustentabilidade, em sua essência, seria a construção do bem comum, em um novo patamar de desafios, considerando os problemas a serem enfrentados numa perspectiva global. E neste sentido, a trandisciplinaridade trata de estabelecer uma integração de vários saberes, considerando que nenhum deles tem um valor menor que o outro já que “ o problema da unidade de conhecimento é intimamente ligado a busca de uma compreensão universal, destinada a elevar a cultura humana”( BOHR, 1961).
Migliori afirma que nos encontramos diante de uma imensa responsabilidade coletiva frente ao desafio da sustentabilidade, que é do tamanho da grandeza do Planeta Terra.  Esta responsabilidade, nos chama a cidadania terrestre nesta era planetária, como reforçam Morin & Hulot ( 2008 ), assinalando que os problemas ecológicos do nosso tempo como a biosfera e a necessidade de salvaguardar a diversidade cultural afetam a todos e exigem o desenvolvimento do pensamento complexo ou transdisciplinar para gerar caminhos sustentáveis.
Migliori  constata que as estratégias conhecidas, já não estão dando conta para encontrar soluções e isto é assustador, mas também representa uma oportunidade. Para o aproveitamento desta oportunidade, de ir além, na superação de um modelo dominado pela cultura patriarcal se necessitaria  da união de homens e mulheres no sentido de se construir algo novo juntos. Burg (2005) argumenta que a construção de uma “sociedade planetária” sustentável depende da necessidade de discutir os rumos do desenvolvimento sustentável e a construção de um novo paradigma aberto a discutir as bases das relações de gênero.
Conforme Cruz- Souza (2012), a equidade de gênero necessita um amplo debate e uma intervenção concreta nos projetos de desenvolvimento, principalmente no que tange ao desenvolvimento rural, mas há uma enorme dificuldade de abordar com serenidade e trabalhar em profundidade as desigualdades de gênero e a realidade de subordinação das mulheres, que predominam em maior ou menor medida, em todas as sociedades e culturas atuais.
Para a autora, é preciso compreender a aplicação da perspectiva de gênero como uma questão complexa e estratégica para o desenvolvimento rural e além disso, é fundamental entender que as discriminações de gênero não afetam somente as mulheres, mas são um problema para toda a sociedade e suas consequências afetam tanto as mulheres como aos homens. Aclarando que gênero não é sinônimo de “mulheres”, porque, as relações de gênero se constroem entre mulheres e homens e afetam toda a sociedade e todos os âmbitos da vida humana, defende que trabalhar com perspectiva de gênero é descontruir mandatos culturais e sociais. Implica também, em construir uma compreensão crítica sobre a organização social a partir de gênero, que permita questionamentos, dando lugar a solidariedade entre mulheres e homens, originando outros modelos possíveis de masculinidade e feminilidade, menos estereotipados.
 Assim, gênero constitui uma categoria básica para compreender os processos sociais vitais, e a perspectiva de gênero, se propõe a ser uma ferramenta para a construção de uma sociedade participativa e inclusiva, questionando também sistemas econômicos que demonstrem ser organizações sociais construídas sobre relações de dominação e exclusão. Para tanto, seria necessário equilibrar as relações de poder que possibilitem, o que em teoria de gênero se vem denominando como “empoderamento” de mulheres.  Uma das possibilidades de se promover este empoderamento, é o resgate de conhecimentos sobre plantas medicinais, utilizando-se a etnobotânica dentro de uma perspectiva transdisciplinar.
A etnobotânica  tem sido utilizada  para a ampliação da consciência sobre o valor destes recursos,  podendo levar  a uma atuação participante no sentido da  preservação, conservação e utilização dos mesmos, mas pode ser um instrumento, segundo a compreensão transdisciplinar, que vai muito além disto.
Um aspecto importante a ser considerado é representado pela faceta interdisciplinar da etnobotânica, é o fato de que a mesma pode contribuir para a busca da sustentabilidade, quando usada em pesquisa orientada para a ação de apoiar e facilitar a mobilização e comunidades locais e tradicionais (BORN, 2000).
Sá (2006), traz importantes contribuições sobre a importância da etnobotânica, ao  refletir que  a ideia central para se estudar uma planta medicinal é a de  que, seria necessário utilizar ferramentas metodológicas de várias disciplinas, ou olhares próprios de cada disciplina envolvida no processo. Este olhar plural, deveria ter como resultado um entendimento integrado entre todas as dimensões que a envolvem: cosmológicas/antropológicas, botânicas, agronômicas, bioquímicas, farmacológicas, farmacotécnicas, clínicas, etc. No entanto, aponta Sá, percebe-se dificuldades de integração destes saberes, na prática.
A autora prossegue, analisando que as pesquisas com plantas medicinais, em geral, tem como ponto de partida a etnobotânica ou a etnofarmacologia como estratégia para serem mais assertivas no desenvolvimento de fitoterápicos ou novos fármacos. Estas duas disciplinas, assim como outras nomeadas com o prefixo “ethnos”,  buscam integrar conceitos e metodologias de áreas como ciências sociais e ciências biológicas. Esta integração entre olhares historicamente tão distintos desafia o pesquisador da etnociência a se tornar uma espécie de mediador da dicotomia cultura x natureza, historicamente assinalada na epistemologia moderna.
Sá, aponta as dificuldades de alguns segmentos acadêmicos para incorporar e tratar dados aparentemente subjetivos, como simpatias, mitos e tabus  provenientes da observação em campo. Discute que, estes dados, de caráter antropológico, muitas vezes deixam de ser coletados durante o trabalho de campo, ou quando registrados, são tratados como meras curiosidades, um aspecto lúdico somente, com o objetivo de ilustrar a pesquisa. Exemplifica que, dados conseguidos através da etnometodologia não raramente são desconsiderados, levando a abordagens reducionistas, descontextualizadas da cosmovisão de comunidades. Evidencia-se então, uma quebra epistemológica no processo de pesquisa, com descontinuidade entre as racionalidades.
Para a autora, quebrar barreiras conceituais, paradigmas das disciplinas envolvidas no processo e desenvolver metodologias originais próprias, que tenham como premissa ou caráter imanente da natureza peculiar das plantas medicinais, englobando todos os aspectos de sua abrangência, é uma tarefa complexa, mas não impossível ao espírito científico.
Lima (2008), centrando-se no estudo sobre os saberes dos povos da floresta amazônica, região norte do Brasil, especialmente Acre e Pará, discute que o pensamento desses povos se constitui em um sistema bem articulado e independente de ciência, com densidade de análise, apresentando-se como uma  forma estratégica de abordagem sobre a natureza e a vida. São conhecimentos elaborados no movimento de uma maior intimidade do ser humano com a natureza, criativos e resistentes a dilaceração de sua cultura.
O autor, compara os resultados dos saberes dos povos da floresta, com os dos processos da bricolagem. Lembrando que em antropologia, bricolagem é a união de vários elementos para formação de um objeto único e individualizado, termo usado pelo antropólogo francês Claude Lévi-Strauss, que o usou para descrever uma ação expontânea, além de estendê-lo para incluir padrões característicos do pensamento mitológico, o qual não obedece o rigor do pensamento científico cartesiano.

                 Visita a anciã de 103 anos conhecedora de plantas medicinais em Cervera de Pisuerga

Essa forma de construir o saber baseia-se num processo de observação, repetição, experimentação e comprovação, não superposto ou sobreposto ao conhecimento científico cartesiano e as duas formas de conhecimento poderiam ser colocadas em paralelas.
Arenas e Cairo (2009) em artigo intitulado etnobotânica, modernidade e pedagogia do lugar, enfatizam que a pluralização de saberes começa por um diálogo respeitoso no qual se estabelece um paralelismo entre as diferentes epistemologias e se considera o outro como um igual. E uma vez iniciado o diálogo, o paralelismo pode permanecer ou pode resultar na criação de um sincretismo epistemológico no qual, pensamentos diferentes se fundem para criar novas formas de conhecimento.
Este diálogo se opõe a um nihilismo epistemológico que nega qualquer possibilidade de diálogo fértil entre conhecimento científico e outros saberes, despertando atitudes e comportamentos éticos, colaborando ao empoderamento de comunidades para resistir a homogeneização cultural, produto da universalização de um modelo modernista de desenvolvimento. Considerando-se neste contexto, que os processos políticos de reafirmação das identidade locais encontram suporte nos conhecimentos ancestrais que mantém as comunidades locais e que servem como embasamento político-cultural para configurar formas alternativas de desenvolvimento.
Neste sentido, defendem os autores que o conhecimento profundo, que requer a etnobotânica somente é possível, a partir de uma compenetração com a natureza, em um marco comunitário no qual muitos sujeitos ajudam para que exista uma aproximação respeituosa e afetuosa ao entorno natural.
A pluralização epistemológica, retira a etnobotânica da marginalização de conhecimentos imposta pela ciência positivista, reconciliando e integrando conhecimentos que tradicionalmente tem sido divididos desde a racionalidade ocidental. Uma questão que cabe analisar é a de se restringir a importância da etnobotânica como sendo apenas um ponto de partida no desenvolvimento de medicamentos fitoterápicos ou novos fármacos dentro do paradigma da medicina ocidental, numa visão de mercantilização do conhecimento e das experiências que detém as culturas sustentáveis. Como visto, as possibilidades de compreensão e utilização da etnobotânica vão profundamente muito além disso.
No caso das plantas medicinais, inserir a etnobotânica com vistas à sustentabilidade pode ser um bom mecanismo para garantir a existência do patrimônio biológico e cultural que estas representam, auxiliando no empoderamento de comunidades.
A transdisciplinaridade pode colaborar com este desafio, estabelecendo elos entre peças que foram isoladas, substituindo o modelo mecanicista pelo modelo sistêmico, que recupera e revitaliza os valores humanos, as artes, a ecologia, a ética, a estética e a transcendência, procurando tornar possível o diálogo entre ciência e tradições. Esta concepção resgata uma ciência comprometida com a vida (BORN, 2000).
Aliando-se a transdisciplinaridade à perpectiva de gênero, buscando-se recuperar a trajetória das mulheres com plantas medicinais na história a partir da etnobotânica e inserindo no contexto atual, na busca de sustentabilidade  vislumbra-se um  caminho. Um caminho que aponta para o empoderamento das mulheres, por meio da construção conjunta, com metodologias participativas, fortalecendo a organização e identidade destas.
A aliança entre ferramentas complexas como transdisciplinaridade e empoderamento de mulheres através da etnobotânica com plantas medicinais pode,  através da perspectiva de gênero,  trazer propostas de mudanças nas relações de gênero que estejam articuladas com a transição, para outro paradigma produtivo mais sustentável, integrando homens e mulheres.
E é neste sentido que surgiu a proposta do desenvolvimento de um processo de construção transdisciplinar com mulheres de comunidades da Região Sul do Brasil e Norte da Espanha tendo como foco o resgate de conhecimentos teórico-práticos sobre plantas medicinais e a promoção do empoderamento destas  populações no âmbito do desenvolvimento sustentável local.  
Mulheres conhecedoras de plantas medicinais do Sul de Santa Catarina (Brasil)

Cientes do caráter multidimensional da milenar temática “plantas medicinais”, que demanda abertura para a complexidade no campo científico, uma pequena equipe passou a se reunir na região sul do Estado de Santa Catarina – Brasil em 1996.  Desta equipe, nasceu um projeto, envolvendo representantes de diversas titulações universitárias e mulheres de comunidades da região, conhecedoras de plantas medicinais. Em reuniões mensais, as mulheres encontraram um espaço, desde uma perspectiva inclusiva e ampla. Uma planta medicinal era estudada a cada encontro, tomada como um “tema gerador”, para outros debates que abordavam questões relacionadas ao feminino e a natureza. Assim, as mulheres tiveram a oportunidade para colocar seus saberes adormecidos, resgatar a autoestima e aumentar o senso de coesão. Como fruto destas reuniões sistemáticas surgiu o Boletim Informativo da Equipe, com informações populares e científicas sobre plantas medicinais. A partir da ampliação da consciência do poder comunitário, as mulheres começaram a alargar sua atuação na esfera coletiva, guiando-se por princípios que foram identificados ao longo do processo de investigação e resgate de conhecimentos, tais como: a diversidade na unidade, a busca do desenvolvimento sustentável, a articulação inter-setorial, a integração da arte, cultura, ciência e espiritualidade, a gestão de conflitos através do diálogo, a dialética entre o local e o global (CHECHETTO, 2003). Passam a atuar, desta maneira, regionalmente na promoção do cultivo agro-ecológico de plantas medicinais, a nível estadual na construção do que hoje é conhecida como uma Rede Catarinense de Plantas Medicinais, colaborando na organização de eventos. A nível nacional, atuam cosntrução da Política de Plantas Medicinais e Fitoterápicos e Política de Práticas Integrativas e Complementares no Sistema Único de Saúde, incluindo a Fitoterapia, políticas estas, aprovadas no país em 2006, coroando um momento há muito esperado, de soberania.
Em 2010, a Rede Catarinense de Plantas Medicinais encontrou uma de suas conexões no conhecimento sobre investigações com mulheres, realizadas por Cruz – Souza (2006) no Norte da Espanha, incluindo a Montanha Palentina, focalizadas na linha do desenvolvimento rural sustentável.
As investigações têm sinalizado que as mulheres, vem sendo protagonistas do êxodo rural, tendo sido expulsas, por fatores sociais e ecológicos determinados pelo modelo de desenvolvimento economicista vigente.
A autora, depois de ter entrevistado mulheres de comunidades daquela região, propõe ações para o desenvolvimento rural sustentável, entre elas, a construção de redes entre grupos de mulheres, impulsionando o intercâmbio de experiências, apoio a construção de identidades femininas com plena participação de mulheres, promoção do desenvolvimento rural integral na visão feminina, como narradoras válidas de suas próprias necessidades, expectativas e experiências com a busca de soluções criativas a seus problemas cotidianos.
Neste sentido, inicia-se uma proposta de um processo de construção, a partir da metodologia participativa de resgate de conhecimentos sobre plantas medicinais, desenvolvida no sul do Brasil.
A proposta conta com o apoio da Universidade Estadual Paulista do Brasil, da Cátedra de Gênero da Escola de Educação de Palencia da Universidade de Valladolid e Instituto Universitário de Investigação em Gestão Florestal Sustentável, Associação de Mulheres pela Igualdade Tecendo Mudanças do Projeto de Cooperação Igualar de ACD Montanha Palentina e Projeto Ruralab da Associação Interterritorial País Románico.
O processo inicia em Salinas de Pisuerga, em fevereiro de 2012, com uma oficina denominada “Plantas Medicinais e Mulheres em Busca de Sustentabilidade” e segue com outras 4 oficinas nas comunidades de Estalaya, Canduela, Villanueva de Henares e Monasterio.
Ao final do processo, as próprias mulheres, na voz de uma representante, têm a oportunidade de se expressarem, em um Seminário organizado na Universidade de Valladolid sobre Interdisciplinaridade e Plantas Medicinais, que visava integrar os diversos atores sociais mobilizados, representantes da universidade e das comunidades:
 “ …eu vou contar como tem sido nossa experiência…como surgiu tudo isto…este processo…estávamos em fevereiro , e nos vem a idéia de fazer uma oficina de plantas medicinais, porque estava na Universidade de Valladolid uma estudante do Brasil, com umas idéias…bom…pois queria ter um contato com nós, mulheres da Montanha Palentina …então, nos dispusemos a participar, nós, as sócias da Associação de Mulheres pela Igualdade Tecendo Mudanças, e fomos convidando mais gente de nosso entorno e de outras associações que pudessem ter interesse… e assim tem sido…pouco a pouco… temos organizado 5 oficinas… nossa tarefa tem sido de resgate popular, em diferentes localidades, evidentemente os contrastamos em determinados momentos, pois podíamos identificar uma planta que em um “pueblo” se chamava de uma maneira e as vezes não sabíamos de que se estava tratando…  mais que uma revisão científica dos usos e virtudes que se lê nos livros, tem sido um resgate de conhecimentos e me parece que isto tem um outro valor…”( Representante das participantes das Oficinas Plantas Medicinais e Mulheres em Busca de Sustentabilidade).
A representante, destaca ainda que:
“…temos conhecido diferentes “pueblos”. A Montanha não é muito grande, mas temos nos movimentado em diferentes lugares. Muitas não conheciam estas regiões …pudemos ver o entorno de diversas localidade. Cada oficina era organizada por uma pessoa que tinha a ver com esta localidade. Por exemplo, em Estalaya, quem organizou foi a prefeita, e tratou de convencer as “sábias de Estalaya”, as mulheres conhecedoras desta região para que elas contribuissem um pouco, pelas plantas que utilizavam…então a pessoa que organizava, tentava agrupar as pessoas conhecedoras e que usavam plantas nesta região. E isto nos pareceu algo muito valiosos nestas oficinas.” ( Representante das Oficinas Pantas Medicinais e Mulheres em Busca de Sustentabilidade).
E relata sobre cada uma das Oficinas:
“ …a primeira se desenvolveu em Salinas de Pisuerga e a pesquisadora de Brasil, nos expôs todo o projeto desenvolvido lá e nos apresentou uma metodologia de trabalho, que pelo visto, é similar a que utiliza em seu país, que a mim, pelo menos me agradou muito…usávamos a planta com um presente…havíamos levado plantas para a oficina, as que se usava nesta região…se apresentavam duas pessoas voluntárias. Uma, ia dar um presente,  a outra recebê-lo. O presente era a planta, que  a pessoa que ia escolher a  que mais gostasse, por seu colorido, pelo que sabias dela, pelo  que não sabias…e então a idéia era transmitir um pouco este conhecimento…e nos pueblos havia bastante gente de mais idade, que transmitem conhecimento para as gerações seguintes.…efetivamente a dinâmica era ativa e participativa…se conseguiu com que todas participassem.  No princípio as pessoas diziam: - eu não sei muito de plantas…mas agora, estamos vendo, que conhecemos…e fomos aprofundando…primeiro em Salinas e logo em Estalaya…em cada lugar levávamos plantas da região …as vezes consultávamos livros para encontrar o nome científico da planta que estávamos falando…e não falávamos somente das plantas medicinais e curativas, mas também de suas aplicações na culinária…e ao final sempre levávamos um pouco de comidas, feitas com plantas …pois não faltavam degustações nestes encontros” ( Representante das Oficinas Plantas Medicinais e Mulheres em Busca de Sustentabilidade).
A representante, continua seu sua fala, sobre a próxima oficina e outras atividades:
“ …outra oficina foi em Canduela, como dissemos, sempre organizada por pessoas que vivem no local, que tem alguma responsabilidade… para que viessem as mulheres da região…e desta forma temos desfrutado da riqueza da Montanha Palentina, de toda a sua paisagem, de sua gente e dos conhecimentos destas mulheres. Logo, entre as oficinas, fizemos diversas atividades. Visitamos em Cervera de Pisuerga a uma mulher de 103 anos, que está, creio, como qualquer uma de nós…porque esteve em entrevista que durou mais de duas horas e sem se cansar, falando…com 103 anos…vê, ouve, entende…e poderia ser pelo uso consumado das plantas medicinais. Temos também visitado uma associação de produtores de plantas medicinais…muitas mulheres   a principio entraram nas oficinas dizendo: eu quase não sei nada de plantas medicinais. Mas quando viam as plantas, começavam a falar: - esta serve para tal, e esta outro para tal… e se falavam de uma planta que não sabíamos de que estavam falando, iam até a horta e a traziam…também se levava produtos que tinham em casa como o óleo de hipérico, pomada de arnica. E se falava em costumes e rituais, usos veterinários, se falou muito…porque a pecuária da Montanha Palentina necessitava destas plantas para curar seus animais… a nossa frase “ não sabemos  nada”, afinal se converteu no que usávamos para curar as feridas do gado, para enfeitar as ruas na festa de Corphus e quando estas plantas usadas estavam secas, no pó que usávamos para cicatrizar feridas…”( Representante das Oficinas Plantas Medicinais e Mulheres em Busca de Sustentabilidade).
A representante finaliza sua fala:
“ …finalmente a última oficina foi em Monastério …fizemos receitas de cosméticos com duas companheiras que resgataram estes conhecimentos dos pueblos…nesta oficina ainda, um vizinho do Monastério nos trouxe a sete-sangrias, ,muito usada nesta área para o colesterol, encontramos a sempre viva, que para  uma das participantes da oficina é uma digna substituta em nossa região, da aloe…sem falar nos licores de ervas, infusões… empanadas, torta de ruibarbo, madalenas ecológicas de Canduela, geléias…uma pequena degustação das plantas, que tivemos a oportunidade de provar…e de tudo isto, podemos dizer que não é o final das nossas oficinas de plantas medicinais…” (Representante das Oficinas Pantas Medicinais e Mulheres em Busca de Sustentabilidade).
Na avaliação final dos atores envolvidos incluindo alguns homens que participaram ativamente, o processo de construção tem sido, muito mais que os conhecimentos levantados sobre as plantas da região através da etnobotânica, um resgate da importância de trabalho em equipe unindo pessoas de diferentes áreas; da necessidade de conservar o ambiente; da importância de criar espaços de encontro para o conhecimento e o desfrute, tanto individual como coletivo; da percepção da capacidade agregadora das plantas, que fizeram com que muitas mulheres tenham participado das reuniões;  da possibilidade de criar novas redes nos territórios; da participação e influência das mulheres na esfera coletiva, da participação política e do empoderamento e  visibilização de mulheres sábias, do reforço das relações entre mulheres e homens, superando os esteriótipos de gênero; do desejo de continuar …em busca de sustentabilidade  seja no sul do Brasil ou no norte da Espanha.
                               Mulheres conhecedoras de plantas medicinais no Sul de Santa Catarina

REFERÊNCIAS
ARENAS,A.; CAIRO,C. Etnobotánica, modernidad y pedagogía crítica del lugar. Utopía y Praxis Latinoamericana, 14 (44), 69-83.
BOHR, N. Atomic physics and Human Knowledge. Science. Editions Inc. 1961.
BORGES, et al. La inserción de las plantas medicinales em la práctica  de enfermería: un cresciente desafío. Enfermería Global. Revista Eletrônica Cuadrimestral de Enfermería. Febrero 2010.  n. 18. Disponível em www.u.m.es/eglobal/ Universidade de Murcia, COPYRIGHT Servicios de Publicaciones. Acesso em 15 out. 2010.
BORN, G.C.C. Plantas medicinais da Mata Atlântica (Vale do Ribeira – SP): extrativismo e sustentabilidade. 2000. Tese (Doutorado em Saúde Pública)- Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2000.
BURG, I.C. As mulheres agricultoras na produção agroecológica e na comercialização em feiras no sudoeste paranaense. 2005. Dissertação (Mestrado em Agroecossistemas) – Centro de  Ciências Agrárias, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2005.
CHECHETTO, F. Rede Catarinense de Plantas medicinais: uma abordagem transdisciplinar para a saúde coletiva. 2003.  Dissertação ( Mestrado em Saúde Coletiva) - Universidade do Sul de Santa Catarina.  Tubarão, 2003.
CRUZ-SOUZA, F. C. Género, psicologia y desarollo rural: la construcción de nuevas identidades. las repercusiones sociales de las mujeres en el medio rural. Madrid: Ministerio de Agricultura, Pesca y Alimentación, 2006.
CRUZ SOUZA, F. (coord.). Perspectiva de género em el desarollo rural: programas y experiencias. Palencia: Asociación País Románico. España. 2012.98 p.
LIMA, E.A.C. Diálogos com a natureza, saberes dos povos da floresta amazônica. In: ENCONTRO DE ESTUDOS MULTIDISCIPLINARES EM CULTURA,4, 2008, Salvador. Bahia, Anais... Salvador.Bahia: Faculdade de Comunicação/UFBa, 2008.
MIGLIORI, R. Oque é transdisciplinaridade? Nos da Comunicação. Em http://www.migliori.com.br/videos_folhas.asp?id+8. Acesso em 11/06/2008.
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PRIORE, M. Magia e medicina na colônia: o corpo feminino. In: História das mulheres no Brasil. 2. Ed. São Paulo: UNESP, 1997.
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